Adultos — Marian Keyes

Ana Luz Damasceno
5 min readJan 19, 2022

“Adultos” foi a segundo livro que li de Marian Keyes, o primeiro foi “Melancia”, um bom livro, mas o segundo definitivamente foi especial para que eu pudesse me encantar pela escritora.

Já havia lido diversos elogios sobre a autora, então sempre soube que estava lidando com uma pessoa de boa escrita, porém não imaginava que estaria lidando com a escrita de uma pessoa tão genial. Em “Adultos”, Marian teve o jogo de cintura necessário para conseguir desenvolver de forma profunda e real não apenas um par de personagens, mas toda uma família, mais especificamente, sete personagens: Jessie, Jhonny, Ed, Cara, Liam, Nell e Ferdia, além dos outros personagens, com menos camadas, mas igualmente impecáveis.

Trata-se de uma obra sobre pessoas reais, longes de uma caixa que defina e molde seus comportamentos, mas pessoas que têm flores e espinhos, vontades e relutâncias, dias bons e dias ruins, seus próprios anjos e demônios. É difícil não se identificar com algum personagem, ou se identificar com todos em alguns momentos, até mesmo com aquele mais babaca, afinal, só nunca foi um babaca quem não teve a coragem de reconhecer alguns de seus comportamentos. Porém, sendo uma história sobre pessoas, é difícil que não seja uma história sobre amor, em suas diversas formas, e não amores idealizados, que seguem uma linha reta em direção ao final feliz, mas amores repletos de altos e baixos, com seus momentos difíceis, de estresse, de compreensão, de vulnerabilidade.

É, definitivamente, um livro sobre ser vulnerável, independentemente de quem esteja tendo a permissão de ver tal vulnerabilidade, é sobre ela estar ali, e sobre como ser adulto é aceitá-la, é saber que o amor existe na vulnerabilidade.

“Quando éramos crianças, achávamos que, quando virássemos adultos, não seríamos mais vulneráveis. Mas crescer é aceitar a vulnerabilidade… Estar vivo é ser vulnerável.” — Madeleine L’Engle

A trama gira em torno de uma família, os Casey, uma família artificialmente unida devido aos esforços de Jessie, a mulher de um dos três irmãos Casey, Jhonny, que fora o melhor amigo de seu falecido marido, Rory. Jessie é dona de uma empresa, na qual trabalha com Jhonny e em que um dia também havia trabalhado com Rory; é uma mulher durona, mas insegura, que sente como se precisasse mover o mundo para que alguém pudesse realmente gostar dela, como se precisasse comprar as pessoas para que estivessem ao seu lado. E a mesma insegurança aparece em seu marido, um homem elegante, mas que esconde o medo de ser substituível, de ser apenas uma segunda opção, de que nunca será bom o suficiente, e que vive com o sentimento de ser apenas uma decepção para o próprio pai.

Um dos personagens mais interessantes, em minha opinião, é o filho mais velho de Jessie, Ferdia, o primeiro filho que teve com Rory. Talvez Ferdia pareça tão interessante para mim pelo quanto me vi no garoto: um jovem de 21 anos, que deseja abraçar o mundo e fazer a diferença, mas que se sente preso no mesmo lugar, sonhando com o mundo lá fora, mas sem saber lidar com o próprio mundo que existe dentro de si. Porém, mesmo com todos esses conflitos, Ferdia tem um desenvolvimento impressionante ao acatar a própria vulnerabilidade, e, o que de início parece apenas um garoto mimado, termina como um homem que aceita a sua própria pequenez e que, a partir disso, começa a fazer uma pequena diferença, a qual algumas vezes pode ser justamente a pequena diferença de que alguém ao seu redor precisava.

A próxima personagem simplesmente apaixonante é Nell, uma cenografista de opiniões fortes, que também deseja mudar o mundo, mas que começa essa mudança em si; é uma mulher encantada por arte, que faz o que ama, por mais que isso mal dê o dinheiro de que precisa para sobreviver, e que rápida e intensamente se apaixona por Liam, e depois precisa viver a decepção de realmente conhecê-lo com o tempo. Liam é um personagem difícil de gostar, um grande babaca, que tem duas filhas com sua ex-mulher, mas que faz de tudo para não as ver. Liam era um corredor, que perdeu sua carreira e precisou se reencontrar, processo no qual se via sem sucesso quando conheceu Nell, uma mulher diferente de todas aquelas que já conhecera, mas que, para impressioná-la, precisou vestir uma roupagem e fingir ser um homem que nunca foi.

Para falar da próxima personagem preciso tirar o chapéu para o quão bem Marian Keyes descreveu o processo de uma mulher, Cara, descobrindo os seus próprios transtornos alimentares. Cara tem três filhos e um casamento feliz com Ed, mas vive com uma infelicidade: seu próprio corpo, que sempre foi visto por ela como um problema que merecia ser alvo de desprezo e que se torna alvo de sua própria violência, a bulimia. Os questionamentos e os sentimentos de Cara são extremamente reais: a angústia que aparece seguida do alívio, a dificuldade para reconhecer o próprio problema quando a situação sai de seu controle, a insistência em dizer que conseguiria sair daquela sozinha, de que seria a última vez. E no meio disso tudo aparece Ed, um homem compreensivo e genuinamente bom, mas que tem medo, que vê em Cara o seu porto seguro, e que não sabe como lidar quando começa a perceber os problemas vividos pela esposa (e acho que dificilmente alguém que está próximo de uma pessoa em tal situação realmente sabe).

Além deles, aparecem os filhos e amigos dos casais, os muito bem construídos cenários das viagens exuberantes organizadas por Jessie, que fazem o leitor se sentir como se estivesse no mesmo hotel chique que os personagens, as belas descrições de Dublin, onde mora a família Casey, estando sempre presente a sensibilidade que Keyes imprime à obra. O livro toca o tempo todo em alguns assuntos sensíveis, sejam sensíveis para a humanidade ou para uma única pessoa, porém, a vida adulta é sensível, e nada como se abrir para ser capaz de sentir os diversos sentimentos que o livro pode causar.

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Ana Luz Damasceno

Não temos outra coisa [salvo as palavras]. Somos as palavras que usamos. A nossa vida é isso.